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Aplicação de práticas de design centrado no ser humano na engenharia de requisitos ágil: um estudo de caso

A correta definição de requisitos é essencial para o sucesso de projetos de software, especialmente no setor público, onde falhas podem gerar retrabalho, atrasos e insatisfação. Este artigo apresenta um estudo de caso sobre a aplicação de práticas de Design Centrado no Ser Humano (HCD) no processo de engenharia de requisitos ágil em um projeto governamental terceirizado.
O projeto foi conduzido em uma empresa pública federal de tecnologia da informação, com foco na melhoria de um sistema de gestão de chatbots. Para enfrentar desafios comuns da terceirização e da comunicação entre equipes, foram utilizadas práticas como prototipação e testes com usuários.
Fundamentação Teórica
O trabalho se apoia em três pilares principais:
Engenharia de Requisitos Ágil
A engenharia de requisitos ágil busca capturar as necessidades dos usuários com menor documentação formal, utilizando artefatos como histórias de usuário. Contudo, essa abordagem pode falhar em projetos complexos ou com múltiplos stakeholders, especialmente na ausência de clientes disponíveis ou quando o desenvolvimento é terceirizado【9】【12】.
Prototipação e Testes com Usuários
Segundo a norma ISO 9241-210:2019, a prototipação permite representar e validar sistemas de forma visual e interativa, facilitando a comunicação, reduzindo erros e promovendo o envolvimento de diferentes perfis profissionais【10】. Protótipos de baixa, média e alta fidelidade permitem ciclos iterativos de criação, aprendizado e melhoria【2】【16】.
A prototipação facilita a validação do produto com os usuários reais antes do desenvolvimento completo. Os usuários podem interagir com o protótipo e fornecer feedback. Isso possibilita identificar problemas de usabilidade, entender as necessidades dos usuários e realizar ajustes no design ou nos requisitos do produto de forma ágil e econômica.
Terceirização de Desenvolvimento
A terceirização é comum no setor público, mas enfrenta desafios como burocracia, falta de conhecimento do domínio pelas contratadas e alta rotatividade de profissionais【5】【6】【11】. A clareza na documentação e a boa comunicação são essenciais para o sucesso desses contratos.
Trabalhos Relacionados
Estudos anteriores mostram que a integração de práticas de HCD na engenharia de requisitos pode melhorar a qualidade do software, reduzir retrabalho e gerar produtos mais usáveis【1】【3】【12】【13】【15】. No entanto, poucos estudos abordam o contexto específico de projetos governamentais com desenvolvimento terceirizado.
O Caso Relatado
O projeto ocorreu entre 2022 e 2023 no Serpro, empresa pública de TI. O objetivo era evoluir um sistema de gestão de chatbots, tornando-o mais intuitivo para usuários não técnicos. A equipe de desenvolvimento adotou um processo ágil com sprints de até quatro semanas. Foram utilizadas práticas de HCD como:
- Prototipação de baixa e alta fidelidade
- Validação com usuários reais
- Documentação detalhada com histórias de usuário, regras de negócio e requisitos não funcionais
O ciclo de requisitos incluiu as etapas de elicitação, documentação, revisão, validação e gerenciamento contínuo, com uso intensivo de protótipos como suporte visual e colaborativo. Os requisitos da sprint 1 foram especificados na sprint zero. E assim, sucessivamente.
Análises e Resultados
Indicadores do Projeto
- Cronograma: Não houve atrasos significativos.
- Evolução de requisitos: Estável, com poucas mudanças após validação.
- Defeitos: Baixa densidade de defeitos por Ponto de Função.
Esses resultados sugerem que a prototipação contribuiu para clareza, entendimento mútuo e menor retrabalho.
Percepções da Equipe
Relatos qualitativos revelaram benefícios como:
- Melhora na comunicação com a contratada
- Maior colaboração entre equipe multidisciplinar
- Geração de ideias e descobertas durante a prototipação
- Validação precoce de usabilidade
- Engajamento e sentimento de pertencimento da equipe
A prototipação tornou-se um artefato central no projeto, sendo preferida à documentação textual. Além disso, reduziu pedidos de esclarecimentos e contribuiu para a padronização de elementos de interface.
Mesmo com a alta rotatividade da equipe contratada, os protótipos ajudaram a acelerar o entendimento do projeto, garantindo continuidade e cumprimento dos prazos.
Considerações Finais
A experiência relatada demonstra que práticas de design centrado no ser humano, especialmente prototipação e testes com usuários, são eficazes na engenharia de requisitos ágil, mesmo em cenários complexos como projetos terceirizados no setor público.
Os principais benefícios observados foram:
- Para a equipe: maior engajamento, colaboração, geração de ideias e entendimento compartilhado.
- Para o processo: agilidade na comunicação, estabilidade dos requisitos e menor retrabalho.
- Para o produto: melhor usabilidade, padronização e entrega alinhada às expectativas.
Entretanto, o sucesso da abordagem exigiu:
- Alocação de profissional experiente em design.
- Integração das práticas de HCD ao ciclo ágil.
- Boa gestão da terceirização e comunicação entre as partes.
Contribuições e Trabalhos Futuros
Este estudo contribui para preencher uma lacuna na literatura ao apresentar uma experiência prática de integração entre HCD e engenharia de requisitos ágil em projetos públicos terceirizados. Como trabalho futuro, os autores sugerem expandir a amostra e realizar estudos comparativos com projetos que não utilizaram prototipação.
Artigo Completo
Viviane de Oliveira Garcia Coutinho, Maurício Ronny de Almeida Souza, e André Pimenta Freire. 2024. Application of human-centered design practices in the agile requirements engineering process: a case study in a public company. In XXIII Brazilian Symposium on Software Quality (SBQS 2024), November 5–8, 2024, Salvador, Brazil. ACM, New York, NY, USA, 10 pages.
https://doi.org/10.1145/3701625.3701635
Referências
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[2] Elizabeth Bjarnason, Franz Lang, and Alexander Mjöberg. 2021. A Model of Software Prototyping based on a Systematic Map. In Proceedings of the 15th ACM / IEEE International Symposium on Empirical Software Engineering and Measurement (ESEM), pp. 1–11. https://doi.org/10.1145/3475716.3475772
[5] Luiz Sérgio Plácido da Silva, Renata Teles Moreira, and Alexandre M. L. Vasconcelos. 2019. Investigação sobre a percepção das empresas prestadoras de serviços e soluções de TI para a administração Pública Federal Brasileira. Brazilian Journal of Development.
[6] Carlos Alberto Castilho Franco and Rodrigo de Toledo. 2013. Terceirização do desenvolvimento de software no Brasil e nos EUA. Revista do TCU, 128, pp. 20–29.
[9] Irum Inayat, Siti Salwah Salim, Sabrina Marczak, Maya Daneva, and Shahaboddin Shamshirband. 2015. A systematic literature review on agile requirements engineering practices and challenges. Computers in Human Behavior, 51, pp. 915–929. https://doi.org/10.1016/j.chb.2014.10.046
[10] International Organization for Standardization. 2019. Ergonomia da interação homem-sistema — Parte 210: Design centrado no ser humano para sistemas interativos. ISO 9241-210:2019.
[11] Javed Iqbal, Rodina B. Ahmad, Muzafar Khan, Mohd Hairul Nizam, and Adnan Akhunzada. 2022. Model to cope with requirements engineering issues for software development outsourcing. IEEE Access, 10, pp. 63199–63229.
[12] Nader Keshk, Mohammad El-Ramly, and Akram Salah. 2022. A Proposal for Enhancing Agile Requirements Engineering with Prototyping and Enriched User Stories. In Federated Africa and Middle East Conference on Software Engineering, pp. 59–63. https://doi.org/10.1145/3531056.3542773
[15] Anna Beatriz Marques, Alex Felipe Costa, Ismayle Santos, and Rossana Andrade. 2022. Enriching user stories with usability features in a remote agile project: a case study. In Proceedings of the XXI Brazilian Symposium on Software Quality, pp. 1–10. https://doi.org/10.1145/3571473.3571496
[16] Joe Natoli. 2015. Think First. Twofold LLC.
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Sobre os autores
Viviane de Oliveira Garcia Coutinho é analista na área de Gestão de Métricas de Desenvolvimento do Serpro. Mestre em Ciência da Computação pela Universidade Federal de Lavras (UFLA). É especialista em User Experience Design pela PUC-RS, com formação complementar em Customer Success. Também é especialista em Modelo e Capacidade de Processo de Software pela UFLA e graduada em Ciência da Computação pela mesma instituição. Atua nas áreas de Engenharia de Requisitos Ágil, Design Centrado no Humano (HCD), Governo Digital, Experiência do Usuário (UX) e Análise de Pontos de Função.
Maurício Ronny de Almeida Souza é professor do Departamento de Ciência da Computação da Universidade Federal de Lavras (UFLA). É bacharel e mestre em Ciência da Computação pela Universidade Federal do Pará e doutor em Ciência da Computação pela Universidade Federal de Minas Gerais. Desenvolve pesquisas na área de Engenharia de Software, com ênfase em Melhoria de Processo de Software, Qualidade de Software, Educação em Engenharia de Software e Gamificação.
André Pimenta Freire é professor do Departamento de Ciência da Computação da Universidade Federal de Lavras (UFLA). Possui graduação e mestrado em Ciência da Computação pela Universidade de São Paulo, e doutorado em Ciência da Computação pela Universidade de York, Inglaterra. Atua nas áreas de Interação Humano-Computador e Sistemas de Informação, com pesquisas em Governo Digital, Aprendizagem Eletrônica e Informática na Saúde.