Notícia
Soberania
De quem são os dados do Brasil?

O uso massivo de dados passou a definir desde o que aparece na tela do celular até onde o investimento público vai parar. Enquanto plataformas privadas refinam modelos de negócio baseados em informação, o desafio do Estado brasileiro é outro: garantir que os dados de 203 milhões de pessoas sejam usados com soberania, transparência e capacidade de antecipar problemas. Foi esse o tom do painel “Compartilhamento de dados governamentais e a Infraestrutura Nacional de Dados”, que recolocou o papel do poder público no centro do debate.
O painel integrou a Conferência Nacional dos Agentes Produtores e Usuários de Dados (Confest/Confege), promovida pelo IBGE e patrocinada pelo Serpro, que está sendo realizada em Salvador entre 3 e 5 de dezembro. Organizada pela Diretoria de Tecnologia da Informação do IBGE, a mesa reuniu o diretor de TI do instituto, Marcos Mazoni; o diretor de Relações Institucionais do Senai Cimatec, Walter Pinheiro; e o diretor de Negócios, Governos e Mercados do Serpro, André Agatte.
Mazoni abriu o debate conectando o tema técnico a uma mudança mais ampla na forma como a tecnologia atravessa a vida social. “Nós estamos num momento em que, na verdade, nós não estamos melhorando as nossas atividades, mas estamos realmente fazendo uma substituição de muitas pessoas”, alertou. Para ele, esse movimento está diretamente ligado ao “capitalismo de vigilância” e à forma como grandes plataformas monetizam a vida cotidiana.
Mas o diretor do IBGE fez questão de puxar a conversa para uma agenda concreta de Estado. A crítica às big techs vem acompanhada de um plano de ação: “precisamos de um processo de democracia tecnológica para não ficarmos refém dessa disputa”, disse, ao comentar o cenário polarizado entre Estados Unidos e China. A resposta, na visão dele, passa por soberania efetiva sobre infraestrutura e dados.
É nesse ponto que entram a escolha por software livre, a construção de nós próprios de nuvem e a parceria com empresas públicas de TI. Mazoni citou o movimento de migração do IBGE para uma arquitetura baseada em soluções abertas, com apoio da Universidade Federal do Paraná e de bens digitais públicos, e explicou a decisão de integrar-se à nuvem operada pelo Serpro: “É fazer uma integração, mas termos uma perna própria e nessa integração adotar as tecnologias que pelo menos garantam para o IBGE a possibilidade de guarda e sigilo das informações”.
Smart people deve ser o compromisso do Estado
Walter Pinheiro trouxe o foco das soluções para as pessoas. “Eu não uso a expressão smart city. Eu uso a expressão smart people. Eu preciso levar isso para as pessoas”, resumiu. Para ele, não basta discutir data centers e nuvens sem enfrentar o básico: conectividade como infraestrutura essencial, ao lado de água e energia, inclusive nos territórios mais vulneráveis.
Pinheiro também lembrou que, por trás da infraestrutura, o que importa são os dados e a forma como eles orientam decisões. “Data centers são dados. É o primeiro debate importante que tem que ser feito”, provocou, ao criticar discussões restritas a prédio, energia e refrigeração. E ainda alerta sobre pontos cegos do Estado que conecta exclusão digital, invisibilidade estatística e desigualdade: sem dados, determinados grupos simplesmente não existem para as políticas públicas. “Se eu não tenho um IBGE que captura isso, se eu não tenho um IBGE que me alimenta, eu não tenho como fazer um processo de enxergar essas pessoas e, ao mesmo tempo, fazer chegar lá políticas públicas”, afirmou, ao narrar o contraste entre um grande criador de gado e milhares de pequenos produtores de leite que ficam à margem das estatísticas tradicionais.
Soberania é uma realidade já construída
Coube a André Agatte, diretor do Serpro, costurar esse diagnóstico com a infraestrutura que está sendo montada pelo governo federal. Ele reforçou o papel das empresas públicas de tecnologia na estratégia de soberania: “o Serpro, uma empresa de 61 anos, participa praticamente de todo o processo de evolução tecnológica do Brasil”, lembrou. E emendou: “É feliz o país que tem uma empresa pública que trabalha para o interesse nacional”.
Agatte detalhou o desenho da Nuvem Soberana operada pelo Serpro e o vínculo com segurança nacional. “A realidade é que a única empresa de governo que consegue armazenar os dados de acordo com as normativas da Abin, de acordo com as normas que são exigidas de nuvem privada, é o Serpro”, afirmou. Segundo ele, a nuvem operada por engenheiros brasileiros deve ser o pilar para a migração gradual dos cerca de 116 data centers hoje espalhados pelos ministérios, ainda desconectados entre si.
A partir dessa base, a visão é mais ambiciosa: transformar a Infraestrutura Nacional de Dados em motor de políticas públicas preditivas e de uma inteligência artificial com sotaque brasileiro. “A estratégia de governo digital prevê a evolução das soluções estruturantes com qualidade e inovação e, a partir dessas aplicações estruturantes, os dados gerados compõem a infraestrutura nacional de dados”, explicou. Esses dados alimentam o Plano Brasileiro de Inteligência Artificial, com a meta de treinar modelos de IA “com dados brasileiros, com governança, retirando viés com ética”.
O diretor do Serpro também chamou atenção para o efeito disso sobre a vida cotidiana, usando o Gov.br como exemplo concreto. “A partir do momento que eu consigo mapear a jornada do cidadão, com um único login, uma única senha, ele tem acesso a mais de 5 mil serviços dentro dessa plataforma”, disse. Com o cruzamento dessas trajetórias com dados econômicos e tributários, abre-se espaço para “políticas públicas com qualidade, agilidade e inovação”, capazes de antecipar dificuldades de cinco a dez anos e evitar que a exclusão digital se transforme na forma “mais perversa de exclusão social”, conclui.
Assista a íntegra do painel!