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Triângulo da Fraude: como compreender e reduzir os fatores que sustentam o comportamento fraudulento

Por décadas, o Triângulo da Fraude, modelo criado por Donald R. Cressey, vem sendo utilizado para explicar por que pessoas aparentemente confiáveis decidem cometer atos fraudulentos dentro das organizações. Segundo o conceito, três fatores precisam coexistir para que a fraude ocorra: pressão, oportunidade e racionalização. Quando esses elementos se alinham, cria-se um ambiente fértil para desvios de conduta e perdas financeiras. A neurociência pode descrever, segundo o conceito do Triângulo da Fraude, como o cérebro humano reage a estímulos de oportunidade, pressão e racionalização. Compreender esse triângulo e seus estímulos, além de agir preventivamente sobre cada vértice é o primeiro passo para fortalecer a integridade corporativa.
1. O tamanho do desafio
Os números mostram que fraude é um risco real e crescente. Segundo o Report to the Nations 2024, da Association of Certified Fraud Examiners (ACFE), empresas perdem em média 5% de sua receita anual para fraudes. As perdas medianas ultrapassam US$ 145 mil por caso, e em 22% das ocorrências superam US$ 1 milhão. No Brasil, a consultoria Serasa Experian identificou 11.509.214 milhões de tentativas de fraude de identidade apenas em 2024, um aumento de 9,4% em relação ao ano anterior. Esses dados revelam que o combate à fraude deixou de ser um tema restrito à auditoria — é uma questão de sustentabilidade dos negócios.
2. Os três vértices do Triângulo da Fraude
Pressão é o ponto de partida. Pode vir de dificuldades financeiras pessoais, metas corporativas agressivas, necessidade de manter um padrão de vida ou simplesmente da sensação de estar sendo esquecido. A Neurociência comportamental mostra que o córtex pré-frontal e o sistema límbico estão envolvidos na tomada de decisões sob estresse, situações de pressão financeira, emocional ou profissional podem ativar o sistema de recompensa, levando o indivíduo a buscar soluções rápidas — mesmo que antiéticas.
No caso Toshiba (Japão, 2015), a cultura de metas inatingíveis e pressão por resultados levou executivos a inflar lucros por mais de sete anos — um exemplo clássico de como o estresse organizacional pode distorcer decisões éticas.
Oportunidade surge quando há falhas em controles internos, ausência de segregação de funções ou falta de supervisão eficaz. Considerando os aspectos da Neurociência, quando o cérebro percebe uma brecha nos controles ou ausência de vigilância, o sistema de tomada de decisão-pré-frontal dorso lateral avalia o risco, e se percebido como baixo, a inibição moral pode ser suprimida, especialmente em ambientes com cultura permissiva ou falta de consequências. A plasticidade neural permite que o indivíduo aprenda a repetir comportamentos fraudulentos se forem bem-sucedidos e não punidos. No escândalo da Wirecard (Alemanha, 2020), brechas contábeis e auditorias complacentes permitiram o desvio de bilhões de euros. É o vértice mais “controlável” pela gestão, pois depende diretamente da estrutura de governança e do uso de tecnologia de monitoramento.
Racionalização é o elemento mais sutil. Trata-se da justificativa interna que o indivíduo cria para legitimar o próprio ato. Neste caso, o cérebro usa mecanismos de defesa cognitiva para justificar comportamentos antiéticos. Frases como “a empresa não me valoriza”, “ninguém vai notar”, “é só desta vez”, “todo mundo faz isso” ou “não estou prejudicando ninguém diretamente” revelam o processo mental que transforma um erro ético em algo supostamente aceitável. A racionalização é o que transforma o comportamento desonesto em algo “palatável” para a consciência.
3. A nova face da fraude: tecnologia e cultura
Com a digitalização dos processos, a fraude se tornou mais sofisticada e invisível. Casos de deepfakes, manipulação de dados e uso indevido de inteligência artificial mostram que os controles tradicionais já não são suficientes. O uso de ferramentas de análise comportamental (User Behavior Analytics), auditoria contínua e modelos de inteligência artificial preditiva tem sido adotado para detectar padrões suspeitos em tempo real.
Contudo, tecnologia sem cultura ética é insuficiente. Pesquisas da PwC (2023) apontam que 57% das fraudes corporativas envolvem alguém de dentro da própria organização. Isso reforça a importância do “tom vindo do topo” — líderes que agem com integridade criam um ambiente em que a fraude se torna socialmente inaceitável.
4. Como desestruturar o triângulo
A prevenção eficaz ocorre quando se atua de forma coordenada nos três vértices:
Reduzir pressões indevidas: ajustar metas realistas, revisar políticas de bônus, oferecer programas de apoio financeiro e emocional seguro aos profissionais.
Eliminar oportunidades: reforçar controles internos, automatizar processos críticos, promover auditorias rotativas, reforçar a consciência de monitoramento e fortalecer o compliance digital.
Neutralizar racionalizações: investir em cultura ética contínua, treinamentos contínuos, comunicação clara de valores, estimular a empatia e o senso de pertencimento e o uso de canais seguros de denúncia.
Organizações que aplicam essas medidas de forma integrada conseguem reduzir significativamente o risco de perdas e fortalecer sua reputação.
5. Um modelo ainda atual
Embora o Triângulo da Fraude tenha sido proposto na década de 1950, ele permanece extremamente relevante. Hoje, muitos especialistas o ampliam para o chamado Fraud Diamond, que adiciona um quarto fator — capacidade —, reconhecendo que o fraudador precisa ter acesso, habilidade ou autoridade para executar o ato. Ainda assim, os três pilares originais continuam sendo a base de qualquer estratégia moderna de prevenção.
Em um cenário em que a confiança é o novo ativo de valor, compreender o Triângulo da Fraude e agir sobre ele não é apenas uma questão de conformidade — é uma decisão estratégica de liderança e um modelo operacional a ser observado para o tratamento das fraudes nas organizações.
6. Referências
1. FRONTIERS IN PSYCHOLOGY. Cognitive Rationalization in Occupational Fraud, 05 jul. 2023. Disponível em: https://www.frontiersin.org/journals/psychology/articles/10.3389/fpsyg.2023.1112127/full . Acesso em: 05 nov. 2025.
2. SABINO DE FREITAS, Frederico Alonso et al. Neurociência a favor da governança: uma nova contribuição para o antigo problema da corrupção, 23 jun. 2022. Disponível em: https://ifbae.s3.eu-west-3.amazonaws.com/file/congres/neurociencia-freitas-guerra-oliveira-64070f9f870c8159133993.pdf . Acesso em: 05 nov. 2025.
3. ASSOCIATION OF CERTIFIED FRAUD EXAMINERS (ACFE). Report to the Nations: 2024 Global Study on Occupational Fraud and Abuse. Austin, TX: ACFE, 2024. Disponível em: https://www.acfe.com/report-to-the-nations. Acesso em: 09 nov. 2025.
4. SERASA EXPERIAN. Indicador de Tentativas de Fraude 2024: Tentativas de fraude contra idosos aumentam em quase 12% em 2024. São Paulo: Serasa Experian, 2025. Disponível em: https://www.contadores.cnt.br/noticias/artigos/2025/03/21/tentativas-de-fraude-contra-idosos-aumentam-em-quase-12-em-2024-revela-serasa-experian.html. Acesso em: 11 nov. 2025.
5. PWC. Global Economic Crime and Fraud Survey 2023: The Evolution of Fraud — Preventing and Responding in a Digital Era. Londres: PricewaterhouseCoopers, 2023. Disponível em: https://www.pwc.com/fraudsurvey. Acesso em: 14 nov. 2025.
5. CAPSTONE FORENSIC GROUP. The Shapes of Fraud: From the Fraud Triangle to the Fraud Diamond. 2023. Disponível em: https://capstoneforensic.com/the-shapes-of-fraud-from-fraud-triangle-to-pentagon. Acesso em: 14 nov. 2025.
Autoras:
Ieda Maria de Souza lidera a Divisão de Governança para Combate à Fraude Cibernética no Serpro. Atua na área de tecnologia com foco em governança e segurança da informação. É graduada em Administração de Redes e possui especializações em Segurança da Informação, Governança de Tecnologia da Informação (UNISUL), Cibersegurança e Governança de Dados. Concluiu MBA em Liderança e Gestão de Equipes (PUC/RS), com foco em inovação e engajamento. Possui certificação ITIL, com atuação em projetos estratégicos voltados à prevenção de fraudes cibernéticas.

Débora Sirotheau é gerente do Departamento de Combate à Fraude Cibernética do Serpro. Analista de TI com pós-graduação em redes de computadores pela UFPA. Advogada pós-graduada em Privacidade e Proteção de Dados Pessoais pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e pela Escola Superior do Ministério Público do RS.Certificada CIPM E CDPO/BR pela IAPP. Certificada NIST CSF 2.0 e NIST RMF. Conselheira titular do CNPD/ANPD. Vice-Presidente da Comissão Especial de Proteção de Dados da OAB Nacional. Palestrante. Professora convidada de proteção de dados em cursos de pós-graduação.
