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Campus Party começa com o desafio de conectar cerca de 6 mil numa superbanda de 10 Gb
Quando terminarem o curso, daqui a dois anos e meio, Webba e Manoel vão direto trabalhar na empresa petrolífera de Angola, que banca o intercâmbio para o curso no Brasil.
Mais à frente da dupla, o analista de sistemas desempregado Alexandre Ferreira de Souza, 34 anos, plantou sua tela ao lado de Escárnio, um escaravelho mutante feito de fibra de vidro, cujo olho vermelho é um sensor de presença. O tal do escaravelho saiu do livro Calíope, que repousa ao lado do teclado, ao lado de outra CPU mais rudimentar que representa um dragão preto, que cospe CDs pela boca e tem os olhos ainda maiores e mais vermelhos.
Souza escreveu o livro e fez seus próprios dragão e escaravelho. Sonha que o livro possa virar um jogo de RPG ou que Calíope, o livro, ganhe divulgação e ele, notoriedade entre os participantes da Campus Party. Autodenominado o maior evento de internet do mundo, a Campus Party coloca à meia-noite desta segunda 10 gigas de velocidade de conexão a um público disposto a fazer junto o que faz todo dia em casa: ficar ligado à internet. São pelo menos 6 mil pessoas.
No evento de tecnologia, 32% são mulheres
Pior, essa turma leva junto seus computadores, ao lado de cobertores e colchonetes, para dormir na Campus Party até o fim do evento e não perder nada do que será feito ou dito sobre o assunto. São 6 mil barracas à disposição. A superbanda tem de dar conta ainda dos visitantes, que levam laptops na bagagem e busca um espaço de conexão na rede.
Tarik Frank, 22 anos, estudante de publicidade, acompanha a mãe, idade não perguntada, que está na Campus Party com o objetivo principal de divulgar a Lei Maria da Penha e denunciar a matança de mulheres - de Mariana a Eloá, numa instalação no Sarau Digital. Mãe e filho vão dormir na área de camping.
- A internet é uma forma de comunicação e eu sou uma militante da divulgação da Lei Maria da Penha. No ano passado, 25% dos participantes da Campus Party eram mulheres - diz Ana Frank, que tem um blog com 5 mil acessos diários para falar sobre a lei criada para proteger mulheres da violência doméstica, praticada por homens da família ou namorados e afins.
- Este ano, segundo nossos números preliminares, 32% dos participantes são mulheres. É muito significativo, pois as mulheres já são maioria entre os internautas brasileiros - diz Marcelo Branco, organizador do evento.
Ana certamente deve ouvir a palestra de Paulo Rodrigo Teixeira, 32 anos, que falará a blogueiros sobre como utilizar palavras-chave e mecanismos que ajudem a colocar seus blogs nos sites de busca - leia-se Google - e chegou acompanhado da sogra, da mulher e dos dois filhos, de 12 e 10 anos, para dormir nas barracas - são 6 mil delas - durante todo o evento, que só termina domingo.
Um dos meninos da família, Pedro Henrique, 12 anos, diz que vai curtir ver os games, já que uma das várias comunidades nascidas virtuais e que se encontram na Campus é justamente a dos que passam horas desafiando os limites nos jogos.
Pedro Henrique faz parte da geração que deixa os adultos encafifados, a pensar se é bom ou ruim, se deve ou não proibir que seus rebentos passem horas na frente do computador.
É por isso que o programa Acessa São Paulo, do governo do estado, vai levar ao evento 600 alunos de escolas públicas por dia. Uma das idéias é que possam ter uma visão mais ampla do que gira em torno da internet e desenvolver habilidades para buscar conhecimento na web, mais do que diversão. O capítulo de como inserir as escolas - sejam públicas ou privadas - nesta conversa ainda está em aberto.
Download não, o negócio é upload
No ano passado, em sua primeira edição, a Campus Party viu que a maioria dos participantes não usou a banda larga de 5 Gb para baixar conteúdo, mas para fazer upload de sua própria produção na web. Este ano, a banda dobrou e o público - 3,3 mil participantes com computador no ano passado - deve também dobrar.
São 11 áreas temáticas e 419 atividades, a maioria delas originadas em sugestões de comunidades nascidas na internet. São tantas as comunidades e sugestões que muita coisa interessante só é conhecida depois que acontece. Por isso, há espaço para que as comunidades se encontrem e façam sua própria agenda - além de uma área de networking que reúne quem desenvolve com quem está disposto a investir.
Alguns, fazem apenas por hobby computadores que valem só de hardware R$ 10 mil, sem contar o trabalho dedicado a fazer máquinas supervelozes.
Felipe Vignolli, 24 anos, afirma que seu hobby é criar computadores que rodem cada vez mais rápido, com ventilação extra e personalização. Esta comunidade, de overclock, reúne-se no sábado numa supercompetição para quebra de recordes.
- O meu tem sensor de temperatura, refrigeracão, marcador de controle de voltagem - mostra Vignolli, indicando as luzes azuis na frente de uma CPU com laterais desenhadas e parte dela transparente, o que garante a ventilação mais eficiente.
Estudante do oitavo ano de Ciências da Computação na Faculdade Veiga de Almeida, em Saquarema (RJ), Vignolli está uma bancada atrás de equipes superespecializadas, como a do Serpro.
- A saída da crise está na capacidade de inovação. Estamos numa transição da sociedade industrial para a sociedade em rede. É isso que a Campus Party representa - diz Branco.
Neste ano, a principal aposta do evento é o desenvolvimento de um robô totalmente composto por tecnologias livres, batizado de CP01 e que deve, depois de pronto, ficar do tamanho de um ser humano. A criação será coletiva, pois o mecanismo fica disponível para download. O protótipo será dissecado pelos campuseiros - como são chamados os participantes do evento - para o surgimento de soluções - por módulo, facilitando a troca de conhecimento.
Na área livre da Feira, coletes para massagens a dois e robôs devem fazer a festa dos visitantes. Na área de discussão, a proposta é saber o que fazer com o lixo eletrônico gerado pelos sucessivos avanços tecnológicos.
(O Globo – Tecnologia – Cleide Carvalho - 19/1/09)