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Entrevista com Marcos Mazoni
Quais são as principais realizações do Comitê até aqui e quais as prioridades daqui prá frente?
Até o momento o comitê trabalhou com a utilização do software livre dentro do governo. Preocupou-se com o uso do software livre pelos órgãos de governo, criou uma série de recomendações e exemplos de como fazer a migração. Este trabalho que se iniciou no primeiro mandato precisa ser aprofundado.
Agora temos que vencer algumas novas etapas. Uma delas é buscar maior articulação entre as instituições do governo para trocar códigos, trabalhar de forma cooperada e entender que a experiência de cada órgão é importante para os demais. Isto implica trabalhar com um forte conceito de rede.
A segunda questão é voltar-se para a sociedade. Precisamos que o ecossistema do mundo dos serviços do software livre ganhe força na sociedade brasileira. Não podemos ficar dependendo exclusivamente do Estado como comprador. O Brasil precisa ser desenvolvedor, utilizador e possuir uma rede de negócios no mundo do software livre.
E como este conceito de chegar na sociedade pode funcionar na prática?
Temos que integrar políticas da área da educação, da pesquisa, das questões tributárias e fiscais, de economia popular solidária. Temos que reforçar uma série de ações para acelerar o processo de construção de um ecossistema de auto-sustentação desse novo modelo de negócios que o software livre estabelece a partir das ações de governo, mas sustentado na sociedade.
Se pensarmos que esta nova tecnologia está baseada no mesmo modelo econômico e de sustentação, falaremos apenas de economia e de quanto economizamos com licenças.
No novo modelo de negócios, ao invés de gastar com royalties, temos que investir nas pessoas e em inteligência, para geração de emprego e renda.
Como o Comitê de Implementação de Software Livre articulará estas ações?
Será necessário contar com uma estrutura que estimule a geração de idéias e projetos para as diferentes áreas, com um conceito único de integração. Além das reuniões ordinárias precisaremos de reuniões setoriais, de articulação com sub-comitês, com setoriais e com os demais comitês do Governo Eletrônico.
Por outro lado, temos que trazer o profissional de desenvolvimento para se envolver neste processo. Não é só o software que precisa ser livre; também nossos portais e serviços ao cidadão precisam ter uma dinâmica que permita a participação de entes não governamentais neste processo. Não estou falando de terceirização, estou falando de espaço para que os próprios desenvolvedores melhorem um site a partir das necessidades da sociedade. Essa dinâmica é que vai colocar também uma nova ordem no mundo da internet.
Você falou no envolvimento dos desenvolvedores. Quais são as motivações para que um profissional se engaje em uma comunidade de software livre?
Começa de uma maneira bem pragmática, pela possibilidade de fazer coisas para as quais anteriormente dependia de decisões empresariais ou de recursos. Nas organizações privadas, por exemplo, o software livre nasce muitas vezes com as equipes de suporte ou de rede, que passam a perceber a expansão do seu poder na medida em que o conhecimento está aberto, pois deixa de depender de uma decisão ou de um contrato. Quanto mais ele participa da comunidade, mais fácil é o suporte. E o profissional volta a fazer informática, porque deixa de ser simplesmente um usuário avançado da tecnologia.
Na mesma linha, quais são as motivações das empresas privadas ou públicas?
Por muito tempo falou-se da economia. As empresas também estão se dando conta que é uma vantagem verdadeira, ou seja, os custos são menores, mas também o poder das organizações cresce enormemente.
A tecnologia da informação deixou de ser um elemento apenas das empresas que trabalham neste segmento. Hoje a maioria das organizações dependem dela para realizarem suas atividades finalísticas. Quando uma empresa trabalha com padrões livres, com a possibilidade inclusive de mudar o seu fornecedor de tecnologia da informação sem perder o conhecimento agregado nos seus sistemas, ela amplia seu poder de negociação.
As instituições bancárias, por exemplo, já se deram conta há muito tempo da dependência que possuem em relação à tecnologia. Quando trabalham com padrões, ficam dependentes do uso da informática, não de fornecedores específicos.
Como funciona este modelo para empresas que prestam serviços de tecnologia da informação?
É mais vigoroso ainda. As tecnologias evoluem e as necessidades dos clientes mudam. Se estamos vinculados a fornecedores específicos, nossa velocidade máxima nunca será igual à velocidade máxima dos nossos fornecedores. Isto limita nossa capacidade de atender.
A liberdade que o software livre dá às organizações resulta em agilidade nos seus negócios. Não podemos abrir mão de conhecer o insumo básico, que é o conhecimento em tecnologia da informação, o que só é possível no mundo do software livre e aberto.
Como resolver a questão da migração de sistemas estruturadores de governo, como os desenvolvidos pelo Serpro?
Já afirmo há mais ou menos três anos, com todo o risco de ser questionado, que a tecnologia do software livre já é potente o suficiente para superar qualquer possibilidade oferecida pelos softwares proprietários, seja em sistema operacional, banco de dados, interface. E o tempo das migrações é o tempo dos sistemas. Ninguém desenvolve algo novo se o sistema atual está funcionando, mas não podemos fazer esforços em sistemas novos com tecnologias antigas.
Pouca gente tem trabalhado o ciclo de vida das tecnologias. Ficamos focados nos ciclos de conhecimento, amadurecimento e ciclo estável, mas não trabalhamos com o último, que é o ciclo do descarte, que serve para qualquer tecnologia.Temos que ter um programa de descarte que vai permitindo a modernização, com a continuidade da prestação de serviços.
Como é um processo, não acontece de um dia para o outro. Temos que ter planos, cujos tempos são os do nosso conhecimento, não da tecnologia. Não se trata de fazer mais rápido com uma ou outra solução. É mais rápido fazermos com a solução que conhecemos.
Temos que investir em conhecimento, para que as pessoas não usem a questão do tempo de desenvolvimento da solução para se manterem atreladas a uma tecnologia que já deveria estar em descarte.
Fonte: http://www.softwarelivre.gov.br – Notícias - Brasília, 15 de maio de 2008